sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

genealogia

Há 30 anos nasceu um idiota
que se tornou estúpido
- Como sei disso?
Ele persiste em existir...
Restou ou vazio
A escuridão dos seus olhos
Os sonhos em sombras
E o membro em riste
Não sobrou muito do que fomos

a juventude liquefez
no espaço eterno
meus dedos ainda procuram temas
que possam tocar

"travastes uma grande luta,
mas saístes puto"
o tempo correu
mais do que tuas pernas
eis-me vencido
sorria, você estava certo

Eterno retorno

Tomou seu café, disse bom dia
acenou com as mãos num sorriso
concordou com os comentários sobre a violência
numa negativa, balançou a cabeça para o indigente

e agora, para onde ir?

Reuniu amigos antigos para uma cerveja
um cigarro, uma canção qualquer
uns e outros tragos, o corpo da mulher que passa
como tantas outras que passaram

e agora, para onde ir?

O trânsito, as pernas e braços, o suor,
os sorrisos plásticos, as badaladas do relógio,
a ave Maria, o sinal da cruz
e a cruz que não carregam por ti

e agora, para onde ir?

O buraco nos olhos, o boa noite,
a rotina do beijo, a cachaça, a janta,
as contas, o corpo nu no banheiro,
o pau, a mão, o esquecimento,
a toalha, o esgotamento,
os comprimidos,o despertador,
o travesseiro, os quilos de chumbo,
a carcaça, o cobertor

e agora, para onde ir?

E agora, o Eterno Retorno
será sempre assim.

02/12

olhos negros procuram, tateando a noite em sombras
todos estranhos, todos sonâmbulos
mãos suadas no bolso da jaqueta
a voz metálica rasga a escuridão
um amontoado de palavras ininteligíveis
isolado, gira em círculos
voltas e voltas ao redor
de si

quantas mentiras é preciso para construir um homem?
quanto é preciso para mantê-lo protegido?
como entretê-lo para seguir entorpecido?
qual Deus o salvará
de si?

a mente folheia o passado
somente ruínas, somente desesjos desfeitos
ao redor, nada que as mãos possam tocar
nenhuma promessa em que acreditar
nada para os dias que virão
só como nunca imaginou

só, como nunca imaginou

sem atalhos, sem desvios
um deus jogado contra a parede
todas verdades espatifadas
todas mentiras liquefeitas
e agora
quem irá protegê-lo
de si

Ian Curtis

Sangue queima
veias dilatam
O sol derrete sapatos

Pernas tropeçam
óculos distanciam
camuflam desejos

o corpo tremula
os braços dançam, dançam
os dentes rangem
os braços dançam, dançam

o sangue esfria
o olhar se cala
a noite escancara pesadelos

dedos esfriam
a caneta congela
persegue a poesia, o absurdo

sua voz ecoa
a cabeça gira, gira
suas mãos se decidem
as minhas recuam, recuam

sábado, 18 de setembro de 2010

Elegia

em dias como este
recordo tempos distantes
seu sorriso, seu carinho
suas mãos fortes e grandes

o tempo é caprichoso
mofa alegrias, petrifica vontades
silencia...

como pode estar tão distante
dividindo a mesma casa

suas mãos já não têm força
a boca sem dentes
não tem assunto

só estes gestos repetitivos
esta cruel rotina
queria saber para onde vais
quando seu corpo recosta no sofá
quando fica parado no tempo, só olhando, o tempo

o tempo
caprichoso
emudece sentimentos
distancia abraços
amarga desejos
silencia tudo

em dias como estes
penso
como posso sentir tantas saudades de você
mesmo estando aqui
Sozinho,
como quem caminha a esmo
imerso em recordações
dia após dia
a vontade silencia
a alegria
um fotografia
que o tempo apagou

sua voz
o eco dos seus desejos
nicotina entre os dedos
cicatrizes que o tempo deixou

alguém que conheça
de perto a dor
que olhe pra trás sem temer
me diga como conviver consigo mesmo
sem se cortar

aos que virão...

não me deixe vos contaminar
se o faço é mero acaso
vivo tempos sombrios
trago o olhar destreinado para beleza

talvez seja absurdo
sou mesmo de excessos
há alguém limpo o bastante para me condenar?

fracassei em tudo que sonhara
coleciono derrotas e as contemplo
nos versos que escrevo

mas nem sempre foi assim
já amei como poeta
me embebedei em vinhos e lirismo
nos shows de rock
exorcizava o dia-a-dia

andei de mãos dadas
com deus e o diabo

mas hoje, quando me vejo assim
completamente nu
sem acreditar em nada além
do toque das mãos

peço;
não me deixe vos contaminar
confesso, só tenho a vocês,
mas não deposito esperanças
estou aqui por pura teimosia

(?) Lembra-se...

Lembra-se de quando a vontade
transbordava em nossos músculos
e girávamos sob um límpido céu azul

Lembra-se de quanto qualquer
olhar desconhecido nos encantava
e brincávamos de inventar novos mundos

Lembra-se, quanto tempo faz?
quanto tempo...

Meu amigo, chegamos... o mundo prático
com seus despertadores
e sorrisos fáceis
com seus números
e dedos ágeis

Meu amigo, seja bem vindo...
enfim, chegamos!

Poderíamos evitar?

Meu amigo, quando for o momento,
não se esqueça de deixar
uma dose pra mim.

Agosto

com um lápis sem cor
contorno o nada
resignificando a ausência
que sinto em mim

quando o silêncio transborda
torno-me palavra
pois o que sou não comporta
o absurdo de existir

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

17/08/2010

Esfacelo meu crânio
reparto-me em tantos
que já não sei dizer-me
simplesmente
pra que? por que?
respostas...
qualquer que seja dada
já é ultrapassada
e o vão aumenta
ausência?
O que me falta?
Tenho dedos e mãos e pernas e boca
e olhos e língua e pênis e óculos e tênis
camisa camisinha chinelo e et ceteras

asco e náusea por reconhecer a enfadonha existência das coisas
por reconhecer-me enfadonhamente existente

domingo, 25 de julho de 2010

Me reinvento a cada noite de insônia
Desfaço os planos inalcançáveis
Me reviro por entre travesseiros e desejos
Imagino-me, mendigo, maltrapilho, maldito
Gritando em praça pública à multidão anônima

Amo os amigos eternos
Que conheci há menos de um minuto
Amo-os, pois deixe-os sempre

Tenho saudades das pessoas que não conheci
Serão sempre interessantes possibilidades

Extraio de minhas vísceras os mais estranhos versos
Um mosaico de lembranças do que não fui
Enfeito-o com flores negras
E talho-as sobre o alheio mausoléu

Quando eu morrer
Enterre comigo meu Álvaro de campos
Meu Bernardo Soares
Quero que minha carcaça se misture
Aos seus versos
E juntos, devorados por vermes
Misturaremos-nos à terra escura

Chamem um padre
Para que no último segundo
Em que a luz tocar minha pele fria
Eu posso sorrir ante suas sandices
Sorrir, quando eu não estiver, ou quando realmente estiver

(...) morto?
Menos morto do que tantos que conheci
Mas, enquanto o dia do Nada não chega

Reparto-me e ofereço numa paupérrima bandeja
Todo o meu estar desperto neste indigesto existir
Ahhhh, como me causam náuseas estes autênticos pré-fabricados
Fedendo a livros, recitando com ar lânguido aquilo que não sentem

E esta torpe sensação
O sol rasgando minha pele
Como um varão
desvirginando o corpo ingênuo indefeso
... e me arrebento no fatídico verso
rebento abandonado ao nascer

Menos!
Menos qualquer coisa que pretenda ser mais
do que realmente é...
Menos!
dessa ânsia infame de querer ajudar para sentir-se confortável
e limpo sentado à mesa farta
Menos!
Menos desta vontade plástica
de manter-se jovem sendo a alma flácida
menos, menos desta, e de toda farsa

que não se expele em arte
sobre esta vida trágica.

terça-feira, 9 de março de 2010

Eis que já nasce farto!

Farto, feito o fraco
que em vão estanca
o sangue
que escorre ralo

Forte, feito o fraco
que com a mão disfarça
o pranto
e se ausenta
da missa de domingo

o fraco está farto
mas é fardo, estorvo,
estatística

a fome, besta fera,
aflora
por sua pele em pedra,
alastra
por todas as frestas
e marca
sua face seca

o fraco, a fome, o fardo
é fato!
sem nome, sem teto
tateando um presente
fétido

minha poesia,
fardo que carrego fértil
febre que a caneta guia
sobre a folha faminta!

Procurando emprego

primeira vez
que meus passos deixam seus rastros
por ruas, vielas, avenidas

primeira vez
que observo
prédios luxuosos,
casas, mansões
suas grades
(suposta proteção)

primeira vez
caminhando por estradas de terra
becos, travessias, favelas
observando seus barracões
plantados no alto
múltiplos olhares e mentes
cada universo que se expande
livres, até onde...
soltos na vida

os meus pés
reinventam quem sou
vão deixando pra trás
lembranças, memórias

mas trago bem guardado
num canto,
os motivos, os sorrisos, os fatos
(tanta gente, comigo trago)
abraços, beijos e vozes
o carinho dos felinos

com eles completo a tela
na qual redesenho
minha história
que é só um detalhe
na imensidão
dos dias...

domingo, 7 de março de 2010

sentimentos emudecidos (ou Angústia)

Quarto escuro
rançoso, úmido.
Coberto por trapos
pés descalços sobre os planos
despedaçados.

O olhar transpassa
a muralha
que avista da janela.
Além,
deserto e silêncio.

Pele enrugada
traços de terra seca
abraça o próprio corpo
tentando afugentar o frio

um quarto sem luz
paredes nuas
sem tamborete, sem corda
e o intransitivo pensamento:

- se ao menos eu pudesse lavar as mãos!

sábado, 6 de março de 2010

o que hão de dizer
quando o derradeiro instante
à porta bater...

"podia ser diferente
quem sabe...

se eu ousasse mais...
poderia ser diferente

quem sabe

se eu quisesse menos poder
e se de forma diferente
conjugasse
o verbo "ter"

ou quem sabe
se eu
escolhesse a porta dos fundos
quem sabe
se da janela pulasse

mas
o incerto,
o risco
é um abismo
no qual não quis mergulhar..."


o que hão de dizer
se acaso eu voltar
o que os críticos olhares
irão recitar

ah, se eles soubessem
como é acordar
vivendo o sonho
desvirginando a terra
com o próprio caminhar

ah, se eles pudessem
ao menos enxergar
além da crua certeza
do óbvio, do lógico...

ah...

e quem sabe
entenderiam
que os meus dias
são detalhes sentidos
no máximo estímulo

e
no
mínimo

músculo!

Maceió - 07/03/2010, 1:23 hs
... e como diria,
um velho amigo meu, poeta das Gerais,

eis que o menino, trilhou seu destino,

pegou seus planos
esboçados no papel, apertou...

abriu a mão e disse:

"Massei ó"

Para Alvimar Braga

Maceió - 07/03/2010, 1:10 hs

sexta-feira, 5 de março de 2010

sonho de puisia

Madrugada chegou
desalento da janela
A lua ao longe escondeu
o brilho roubado
dos olhos dela

Uma pequena luz
reflete sobre o mar
clareia a alma minha,
clareia
a alma minha,
cansada de esperar

Mas essa visagem ainda encanta
os sentidos
sinto que ainda é tempo
de sonhar

sonho com o dia em que a brisa
a traga pra perto
e no eterno
entorpecer

a lua e ela
eu
e o mar

terça-feira, 2 de março de 2010

Cantiga de Ninar (150 miligramas)


- A cidade se transforma e transtorna quem passa e sente
Elevam-se as ditas belas estruturas, cinzas futuras,
Elegância decadente

Mãe,
Quanto tempo resta
até o apagar das luzes
quando as cortinas baixam
tremo de medo
é que meus fantasmas me visitam
quando estou sozinho
Mãe,
Arranque estes dias de chumbo
do meu travesseiro

Mãe,
Mais uma dose de acalanto
de suas ásperas mãos
Pra lida diária
150 miligramas, quem sabe bastem
Domingo vamos ao parque
de diversões
Mãe,
Eu não esperava que seu beijo
me sufocasse

(?) quem vai colher as flores
que do caos desabrocham

(?) quem vai ler meus
Ingênuos versos

(!) em suas antigas canções
estes homens não existiam

Mãe...
(?) porque não me contou
sobre este longo inverno


(inspirado no Curta metragem: 150 Miligramas, de André Novais a quem dedico este poema)

Belo Horizonte, 2009

segunda-feira, 1 de março de 2010

casa nova

Cozinha quadriculada
deste imenso quarto e sala
vista para o mar
distante...
o olhar tão distante
da casa primeira
onde habitam nossos pais

Tudo é novo
novo e estranho
o soar das ondas quebrando
o sotaque, o formato da face
os transeuntes que passam
o pisar dos nossos pés sobre a areia
o lugar que escolhemos
para erguer nosso lar.

Navega em meu peito
a saudade dos que nos amam
pais, irmãos, amigos... felinos
o conforto das ruas conhecidas
o tempero, a fala e os gestos...

Caminhamos lado a lado
pelas ruas da cidade que escolhemos
para reinventar
nossos dias na vida...

Maceió - Fevereiro, 2010

(...)

No meu apartamento têm três janelas
mostrando-me detalhes da paisagem

o mar e os coqueiros,
os prédios e os carros,
os indigentes deitados sob a marquise...

Maceió - Março, 2010